Graça
e paz á todos! A
série “Crise Real” voltou aqui no blog e nesse
artigo eu pretendo relatar uma história que ocorreu comigo durante
uma viagem missionária.
Contextualizando
Em
Agosto de 2017, o governador interino do Amazonas passou a enviar a
Polícia Militar do Amazonas (PM-AM) para efetuar operações no
bairro de Manaus conhecido como Morro da Liberdade, que é o ponto
nevrálgico do tráfico de drogas na referida cidade.
Acuados,
os traficantes saíram do Morro da Liberdade e bairros adjacentes e
seguiram para o interior, para os municípios próximos de Manaus. O
mandato do então governador (cujo nome prefiro não citar) tinha
hora para acabar, assim os traficantes adotaram esse plano
contingencial visando “manter os negócios” dessa maneira durante
alguns meses, resultado:
Manaus ficou mais segura enquanto que os municípios ao redor,
tornaram-se extremamente perigosos!
Entrando
na Frigideira
Sem
saber dos tais planos dos narco-traficantes, a Igreja a qual eu estou
atrelado enviou uma equipe com mais de cinquenta pessoas para um
município próximo á Manaus: o nosso objetivo era entregar
donativos para ribeirinhos.
Esta
missão humanitária foi levada á cabo por quatro dias: 05, 06, 07 e
08 de Setembro, durante um feriado imprensado (para quem NÃO é do
Amazonas, vale uma explicação rápida: dia 05 de Setembro é
feriado no Amazonas, pois foi quando nós viramos uma Província
independente do Pará – isso foi em 05 de Setembro de 1850 – e
esse fato é celebrado por aqui). Cumprimos a missão com maestria e
sem problemas, porém eles (os problemas) começariam justamente no
dia 07 de Setembro de 2017…
O
dia 07 de Setembro foi cansativo, porém vingou, pois entregamos o
que restava dos suprimentos em uma localidade extremamente miserável.
No dia seguinte, pela manhã (dia 08 de Setembro) iríamos embora e
resolvemos na noite daquele dia (07 de Setembro) nos
confraternizarmos como equipe, porém a cidade onde estávamos era
muito pequena e não havia estabelecimento que comportasse as
cinquenta pessoas, assim nos dividimos em dois grandes grupos. Eu fiz
parte do menor deles: o que tinha cerca de vinte pessoas e era
formado por garotos entre os treze e os dezenove anos. O único a ter
mais de vinte anos ali era eu.
Nós
nos reunimos em uma lanchonete que ficava em uma parte mais central
daquela “cidade” que não tem mais do que quatro mil habitantes.
Eu havia percebido que o “clima” da cidade estava pesado, porém
sequer passou pela minha cabeça que era a guerra contra o
narco-tráfico que havia espirrado para os municípios limítrofes á
Manaus.
Saindo
da Frigideira e Entrando no Fogo!
Quando
já havíamos feito os pedidos e pago os mesmos, um elemento
continuamente nos observava: ele encontrava-se há uns cinco ou sete
metros de distância da lanchonete, do outro lado da rua e nos
observava incessantemente. Eu percebi que ele não era boa coisa:
aparentemente fui o primeiro á perceber o mal-elemento, porém optei
por ficar calado, pois o sujeito poderia chegar a conclusão de que
não valeria á pena nos assaltar, porém os minutos iam passando e
nada dele se retirar… minutos depois alguns dos garotos do nosso
grupo perceberam as más intenções do sujeito e comentaram baixo a
“descoberta” deles. Eu decidi agir: lembrei que tinha uma faca de
pesca (cujo modelo e marca eu omitirei nesse relato) e que ela estava
no quarto da pousada onde estávamos hospedados. Pedi licença aos
que estavam na mesa e com a famosa desculpa de -“Me
esqueci de algo no quarto, eu já volto!”
segui rapidamente para a pousada, que por um desses acasos (ou não)
ficava ao lado (literalmente) da lanchonete onde estávamos…
Subi
as escadas da pousada que conduziam ao quarto como um louco, abri o
quarto desesperadamente e peguei a minha faca, apenas para ter um
“pressentimento” de que o mal-elemento estava indo abordar os
garotos e eu não falhei nisso: corri e em poucos segundos já estava
na rua e vi que o bandido estava de fato abordando os garotos. Ao me
ver, o sujeito ficou claramente surpreso e saiu da lanchonete sem
jeito.
Dirigi-me
ao meu assento e fiquei ali, apenas para ver que o mal-elemento havia
dado a volta no quarteirão e estava vindo me abordar pela minha
direita. Eu percebi que ele não tinha arma de fogo com ele, pois
quem tem uma, ao fazer a abordagem, faz questão de empunhá-la e
deixar claro “quem é que manda ali” por isso eu deixei que se
aproximasse o quanto ele quisesse: eu precisava que o bandido achasse
que estava no comando, para que assim eu obtivesse uma enorme
vantagem tática, o tal “elemento surpresa”!
O
sujeito ficou tão confiado de que obteria aquilo que desejava de
mim, que sequer preocupou-se em sacar a lâmina que possuía e que
estava em seu bolso esquerdo, pois eu relaxei os músculos de meu
corpo e da minha face de maneira á parecer que eu estava “sem
ação”.
O
mal-elemento ficou ali de pé, cara-a-cara comigo, falando palavras
que não me recordo, pois a minha atenção estava em desembainhar a
minha faca unicamente com a mão esquerda: senti um grande alívio ao
perceber a bainha sendo totalmente retirada da lâmina e indo ao
chão. O bandido estava tão certo de seu sucesso, que a sua mão
esquerda encontrava-se encostada no meu braço direito, enquanto que
com a sua mão direita ele gesticulava. Eu sabia que ele tinha algo
no bolso esquerdo, por isso pensei em esfaqueá-lo apenas quando ele
retirasse a mão esquerda dele do meu braço direito e fiquei em
dúvida se deveria atingir as costelas ou a carótida (artéria do
lado direito do pescoço – caso seja atingida em cheio, causa morte
instantânea, pois interrompe o suprimento de sangue e ar do corpo
para o cérebro): as costelas são ossos que protegem os pulmões,
portanto estava descartada a possibilidade de esfaqueá-lo ali, o
golpe fatal teria de ser na carótida pois não possui proteção
alguma e causa maior estrago na pessoa se atingida.
Enquanto
aguardava o derradeiro momento, o dono da lanchonete apareceu pelas
costas do sujeito e com uma das mãos segurou-o pela nuca e com a
outra empurrava-o em um dos ombros: ele (literalmente) jogou o
marginal no meio da rua e mandou que nunca mais voltasse ali, ao que
o mesmo consentiu e apressadamente virou a esquina e não mais o vi.
O
dono da lanchonete voltou para a cozinha e ao passar por mim, eu vi
que a cor de seu tom de pele havia mudado e que o indivíduo ficou
tenso, pois passou a andar feito robô: mais tarde descobri que o
amigo que estava ao meu lado esquerdo viu o momento em que eu estava
desembainhando a faca e deu o “toque” ao dono da lanchonete, que
tomou as medidas que já anunciei no parágrafo anterior.
Término
do Caso
Após
esses fatos, optamos por comer os nossos lanches na pousada (que
recordem-se, ficava ao lado da dita lanchonete, onde tudo ocorreu) e
lá, tivemos uma discussão acalorada: passei o sermão em todos,
pois estava óbvio que o mal-elemento estava com a intenção de nos
molestar, porém nenhum deles quis se mexer, ficaram parados ali,
como ovelhas, esperando a hora certa de o lobo dirigir-se até eles e
os devorarem. Após o sermão, ordenei que não contassem nada á
ninguém, pois isso poderia comprometer o recrutamento de novos
missionários nas missões subsequentes.
Passei
a maior parte da madrugada em claro, pois a simples possibilidade de
que eu poderia ter um assassinato nas costas era algo horripilante
agora que tudo havia passado. Me recordei de todos os ensinos de
preparação e sobrevivencialismo que havia aprendido e vi que na
prática todos eles foram válidos: saber cuidar de si próprio é
algo muito bom quando a crise aparece, acreditem! Vi na prática, que
não podemos confiar no sistema, pois a lanchonete onde tudo ocorreu,
ficava há uns cem metros da delegacia municipal, além de que a
guarda municipal da cidade não estava munida com armas de fogo,
apenas com pedaços de pau (os tais cacetetes)! Eu como civil, estava
bem melhor armado do que a polícia local!
Retornamos
para casa, as semanas se passaram e um dia eu fui convocado por um
dos pastores principais da Igreja onde congrego para uma reunião
rápida. Ao entrar em seu gabinete e me sentar, o dito cujo me
pergunta com um sorriso debochado na face: -”Que
história é essa de faca?!”.
Na hora eu coloquei a mão na testa e pensei, -”Garotos
fofoqueiros!”.
Hoje em dia metade da liderança da Igreja acha que eu sou um herói
e a outra metade acha que eu sou louco...
Alguns
meses depois, eu voltei em outra missão para aquela mesma cidade: a
lanchonete havia fechado, os criminosos haviam deixado a região e
estranhamente as pessoas daquela cidadezinha ao me verem, se
encolhiam de medo ou mesmo corriam e se trancavam em suas casas:
sinceramente eu não sei o porquê…
De
Manaus, no Amazonas, Vigilante Magna (V.M)
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